Cristina
Martinelli
Formada
pela Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e
ex-primeira-bailarina do Theatro Municipal, além de uma ampla e sólida carreira
internacional, Cristina Martinelli será uma das homenageadas no aniversário de
110 anos do Theatro Municipal. A bailarina dotada de grande potencial
dramático, além de ter se tornado primeira bailarina aos 22 anos, foi uma das
artistas preferidas de Oscar Araiz com quem trabalhou em Buenos Aires, no
Teatro San Martin. Não só exerceu o cargo de primeira bailarina no TMRJ, como
também no Ballet Nacional da Espanha e no Grand Théâtre de Génève na Suíça. Seu
repertório é extremamente vasto, abrangendo uma versatilidade de obras que vão
de clássicos como “Lago dos Cisnes”, “Giselle” e “Paquita”, até neoclássicos
como “Adaggieto” (uma de suas mais famosas interpretações) e várias obras de
Maurice Bejárt.
Em uma
entrevista para o Tour en L’air pudemos conhecer um pouco mais sobre Cristina
Martinelli e sua vivência:
1 – Qual você acredita que tenha sido o
impacto da Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro,
atual EEDMO, na sua vida?
Os 9
anos que passei na escola de danças são tudo que eu aprendi. Desde a própria
estrutura da dança clássica, até todas as outras matérias que eu tive contato.
Teoria musical, por exemplo, me serviu para que, como bailarina, eu pudesse
encarar uma partitura. Outro exemplo foi de quando eu fui fazer a minha prova para
primeira-bailarina, pois um dia era dedicado às danças folclóricas. Tudo que eu
aprendi na escola fez parte do futuro e fez toda diferença, porque se eu não
tivesse feito na escola eu não teria tido acesso.
2- Conte um pouco da sua experiência na
EEDMO:
As
coisas que eu guardo são as melhores possíveis. Na minha época não formávamos
grupos de amigas como hoje, mesmo assim o contato era muito saudável com todo
mundo. Mas eu gostava mesmo era dos meus professores, das minhas aulas, dos
progressos, das conquistas. A diretora da época era Madeleine Rosay, então eu
também estudei com a Lydia Costallat, Rene Wells, Consuelo Rios, Iara Marília, Reginaldo Vaz,
Tamara Capeller e Cecília Wainstock. Foi assim, cada ano um professor, um
aprendizado. Eu lembro de todos eles, uma época maravilhosa.
3- Como foi ter se tornado primeira
bailarina tão cedo aqui no TMRJ e o que esse cargo que você exerceu também em
outras companhias representa?
Foi
uma coisa que eu queria, uma coisa que nunca duvidei que fosse acontecer, pelo
menos eu estava trabalhando nesse sentido. Acho que se eu ficar contando com
expectativas, com coisas que vão cair do céu, a probabilidade de nada cair do
céu é enorme. Acredito no trabalho, que você tem que traçar um caminho e andar
nele.
Foi
isso que eu tinha projetado pra mim, independentemente do que os outros
pensassem, eu achava que eu podia. Tirando minha pretensão, ficou só meu
trabalho. Me formei, estagiei, fiz alguns corpos de baile, começaram a me dar
solos e surgiu a oportunidade de ser primeira-bailarina. Então continuei lá,
perseguindo o objetivo.
A
primeira vez que saí do Brasil representando-o foi para Rússia, no concurso
internacional de Moscou, e depois fui para os Estados Unidos dançar Giselle.
Enfim, saí definitivamente do Brasil indo para Espanha na companhia de Victor
Ullate. Em seguida para Suíça, onde fui primeira bailarina do Grand Theatre de
Genéve, experiências incríveis. Claro que a primeira vez que você sai tem o
lado sentimental de saudade que fala alto, mas você tem que controlar, ou se não
você volta, e não pode voltar. Trabalhar no exterior é uma experiência
importantíssima, te dá um outo pique e outras visões. Apesar de que, toda minha
formação foi aqui e é essa que valeu.
4- Conte-nos algumas lembranças que você
tem do seu tempo como bailarina principalmente aqui no TMRJ.
No
sentido artístico vamos dizer que haviam mais espetáculos do que atualmente. E
também, naquela época, muitas companhias estrangeiras vinham pra cá, como a
Ópera de Paris e o Bolshoi. Então a gente bebia na fonte. Foi vendo essas
companhias que eu aprendi diversos detalhes, o que não aprenderíamos sem
assistir essa gente. Além de que, os poucos espetáculos que fazíamos aqui eram
muito intensos. Então acho que foi uma época que talvez artisticamente, pela
situação política atual, era melhor.
Quando
eu entrei no TMRJ os primeiros bailarinos eram Bertha Rosanova e Aldo Lotufo. Depois
a gente vai vendo aquela mudança de geração, aí entraram a Nora Esteves e eu,
em seguida entra Ana Botafogo, Áurea Hammerli e Cecília Kerche. Nesse momento
nós estivemos todos juntos, e isso é uma coisa maravilhosa. Pois eu também
estudei com a Bertha, e de repente estavam no palco Bertha, Áurea e eu, juntas.
Conseguir acompanhar essa passagem e recepção de diferentes gerações é mágico.
O Theatro é nosso, não é de ninguém em particular. Posso dizer também que dancei
com muita gente boa. Tive o Aldo Lotufo como partner assim como Ivan Benides,
Aldemir Dutra, Alejandro Menendes, Emílio Martins e até o Dennis Grey.
5- Qual você acha que é a principal
diferença entre trabalhar no exterior e aqui no Brasil?
A
principal diferença é que lá você dança todo dia praticamente. Então, durante o
dia a gente estava ensaiando a próxima temporada, e de noite a gente dançava a
temporada. Isso o ano inteiro, sem descanso, era uma coisa diária. Só tínhamos folga
na segunda-feira. Porque não há diferença de talentos, a qualidade de
bailarinos que temos aqui tem lá também. A diferença é só o acesso aos
espetáculos e a oferta de trabalho.
6-Seu nome é reconhecido por grande
potencial artístico e seu repertório contempla uma grande versatilidade de
obras, você julga isso como essencial para uma bailarina?
Eu
conhecia meus limites técnicos. Sempre trabalhei pensando em primeiro vivenciar
as dificuldades técnicas e depois deixar o artista vir. O que não dá, é
priorizar o artista e deixar a técnica de lado ou vice-versa. O ideal é o
equilíbrio. Então eu trabalhei muito. Eu era uma intérprete, uma artista. Não
conseguia fazer as coisas sem me envolver, sem me emocionar. Mas isso também
tem o seu perigo, você pode ser tomada pelas emoções e perder o fio da meada.
Então é importante trabalhar esses dois lados. O lado da emoção é legal por
saber que você está tocando as pessoas na plateia, mas também é necessário ter
um trabalho técnico de qualidade. Não é apresentar um trabalho mais fraco
porque eu sou artista.
7- Você tem ballets preferidos, poderia
dizer alguns?
Tenho.
Tem o clássico dos clássicos que é o “Lago dos Cisnes”. Eu gostei muito de
trabalhar as obras contemporâneas do Oscar Araiz, que foi meu primeiro contato
com dança contemporânea de fato. Também adorei fazer “Giselle”. Mas eu gosto
dessa nova linguagem, ballets que exigem interpretação. Tem que ter na sua
carreira um repertório, e todos esses estilos fazem parte.
8- Depois de uma carreira brilhante e de
estar praticamente parada, você retorna ao palco do TMRJ na gestão de Jean Yves
Lourneau dançando Suite en Blanc, A Morte do Cisne e Carabosse (em A Bela Adormecida).
Como foi esse momento?
Foi
ótimo, pois o diretor queria me dar um final de carreira digno. E para que eu
não perdesse aquela energia vital adquirida por estar no palco, tudo o que ele
colocou no repertório ele me colocou pra fazer. Meu último papel foi de
Carabosse, e então eu achei que já estava no momento de parar, principalmente
em respeito aos que estavam chegando.
9- Como você se sente em ser homenageada
por esse Theatro que foi sua primeira casa?
É uma
emoção enorme, uma sensação muito boa, até porque ser reconhecida é sempre uma
coisa bacana. Que bom que o reconhecimento veio em vida, isso pra mim que é
legal. Eu fico super feliz porque eu vou estar com outras pessoas que fizeram
parte da minha vida: a Lauricy e o Victor Prochet,
o maestro Henrique Morelembaun, que inclusive regeu Lago e uma porção de coisas
quando eu era primeira-bailarina. E tem o Jorge Dias que estava lá na técnica
do palco. Essas pessoas,fizeram parte da minha vida 100%. Estou muito feliz em
estar ao lado delas.
FOTO: Lucas Morais |
10- Como formada pela escola de danças, o que você gostaria de dizer como inspiração para os atuais estudantes daqui?
É
importante saber o que você quer. O que você quer é mais importante do que os
outros pensam de você. Só você pode dar uma orientação no seu caminho. No meio
artístico vão acontecer várias coisas que podem te dar impressão de estarem se
desviando do caminho. Mas eu acho que a mensagem principal é essa: seja qual
for o caminho que você vai escolher, escolha você mesmo, você tem que ser a
mente dessa escolha. E aí, é só partir para caminhar como eu fiz. Haverá momentos
ruins em que você vai duvidar da sua escolha, eles fazem parte da vida, são super
normais. Aproveitem tudo o que a escola dá, porque vocês vão precisar de tudo
isso. A escola é a raiz da disciplina e da técnica, é o sustentáculo, vai te
dar todas as bases que você precisa para ficar em pé.
ENTREVISTADORAS: Marina Tessarin & Debora Gomes