segunda-feira, 20 de maio de 2024

ENTREVISTA COM CAROL LIMA

 

Para além da dança

 

A Escola Estadual de Danças Maria Olenewa (EEDMO) foi criada com o propósito de formar bailarinos que posteriormente viriam compor o corpo de baile do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, porém a formação em dança dos alunos da Escola proporciona diversas oportunidades de carreira além do ofício de bailarino profissional. Como, por exemplo, a área de fisioterapia, que também relaciona-se muito com a dança, sendo essencial para a preparação corporal e cuidado dos bailarinos. E foi essa a carreira escolhida pela Carol Lima, formada em dança pela EEDMO e fisioterapeuta.

Carol ingressou na EEDMO no preliminar, primeiro ano da Escola, e se formou na turma de 1996, porém não chegou a atuar como bailarina e começou a cursar a faculdade de fisioterapia alguns anos depois. Seu interesse pela área iniciou-se ainda em seus últimos anos da Escola de Dança. O olhar interessado para as correções e para as diferenças físicas, como o porquê para algumas bailarinas era muito fácil levantar a perna e para outras não e até comparando com suas próprias dificuldades. Assim, começou a entender que as diferenças entre elas não se resumiam simplesmente à capacidade das bailarinas. Durante a faculdade, seu conhecimento em dança, principalmente nas aulas práticas, ajudou-a bastante devido a sua experiência com os movimentos, sua coordenação motora e seu  conhecimento do corpo, de forma a compreender que  movimento estava sendo falado e que músculo que estava sendo mencionado pelos professores.


Ballet Vivace de Sérgio Lobato

Formatura com D. Consuelo

Carol começou a trabalhar como fisioterapeuta com o público geral, dava aulas de pilates e de RPG e também deu aulas de balé clássico, do básico ao nível médio, durante dezessete anos. Em 2019 parou de lecionar e já atendia alguns bailarinos como fisioterapeuta. Mas foi na pandemia, depois da montagem de um curso de anatomia online, criado pela escola de danças onde trabalhava, que seu contato com os bailarinos aumentou, o que permitiu abrir uma parte da agenda para investir, se especializar e se dedicar ao atendimento dos bailarinos, sempre relacionando anatomia e a dança e criando o trabalho que desenvolve hoje. 

Carol com Márcia Jaqueline

Carol com Marcela Borges 

Atualmente, mesmo atendendo bailarinos amadores, adultos, estudantes e pré profissionais, uma grande  parte de seu público são bailarinos de alto rendimento. Portanto, para esse atendimento é necessário também ter uma abordagem desportiva e  acompanhar os bailarinos nas temporadas, somado ao olhar da especificidade, ou seja, entender de balé, saber, por exemplo, o que é  “en dehor”, saber como é subir nas pontas e, nesse ponto, sua vivência facilita muito a comunicação com os bailarinos também, visto que as sensações durante um passo podem ser melhor definidas e compreendidas por ambos os lados da relação fisioterapeuta-bailarino. Quando um dançarino apresenta uma lesão, o processo de reabilitação é o mesmo daquele para uma pessoa comum, a diferença é o momento em que o bailarino vai focar a sua recuperação para o ganho de força específica à tarefa, ou seja, este processo se estende até que ele consiga voltar a fazer todos os movimentos complexos do balé novamente. Além disso, a experiência da Carol como bailarina apresenta-se como um diferencial quando precisa entender o mecanismo que gerou uma lesão crônica, lesão por esforço repetitivo, não provocada por um acidente.

O atendimento aos bailarinos de alto rendimento durante a temporada é um desafio, segundo ela. As sessões podem focar em melhorar o desempenho em palco, trabalhando funções específicas de algum balé, ou em tratar uma lesão. Nos casos de lesões, por vezes, é necessário diminuir a carga de exercícios e não fazer determinados movimentos para que o bailarino termine a temporada. E, quando o intuito é melhorar o rendimento, é necessário calcular a quantidade de carga dos exercícios da fisioterapia levando em conta a quantidade de ensaios que o bailarino tem. O ideal é que a preparação para um balé comece antes dos ensaios, uma vez que nas baixas da temporada, o fisioterapeuta não encontra o bailarino cansado, assim os exercícios podem ter uma carga maior, visando a preparação do corpo. Desse modo os bailarinos se previnem para estarem no seu ápice corporal, para darem o melhor de si nas apresentações, não apenas para não se machucarem ou tratar de alguma lesão, mas para estarem melhor a cada temporada.  

Carol com Laura Fayer


Recentemente, a primeira bailarina do Theatro Municipal e ex-aluna da Escola de Dança Maria Olenewa, Marcia Jaqueline, sofreu uma lesão no joelho e desde então está em tratamento com a Carol.  Sua reabilitação está no estágio final, ou seja, focada no ganho de função dentro do balé, para que ela consiga voltar a realizar todos os movimentos complexos de sua atividade sem dor ou disfunção no joelho. Assim, Márcia está tendo uma exposição gradual à complexidade, que começou  com o primeiro plié pós lesão e se estende até o retorno da bailarina a sua rotina. É importante ressaltar o cuidado, o tempo e o trabalho que esse retorno exige, pois, por exemplo, mesmo após a bailarina conseguir realizar os movimentos sem dor é preciso lidar com um corpo que naquele momento precisa de um tempo maior para reagir, visto que numa aula e ensaio de balé, a sequência de passos, a música a ser seguida, o espaço, as correções passadas, são fatores que existem na rotina da dança e que juntas aumentam a exigência do corpo do bailarino em reabilitação, por isso também são introduzidas sob a orientação da fisioterapeuta.

Portanto, para a Carol Lima, todas as aulas de balé de sua vida, seja como professora ou aluna da EEDMO, foram e são essenciais para sua profissão hoje, fora o aprendizado contínuo com  a troca de experiências com os bailarinos e ao assisti-los no palco. Ela diz que para tratar de bailarinos, além de ser um fisioterapeuta completo, é necessário entender profundamente de balé clássico. Sua escola de formação, a  Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, além de bailarinos, busca formar cidadãos, seres humanos melhores, capazes de atuar em diversas áreas do conhecimento.

 

 

Texto baseado numa entrevista concedida a Laura Fayer, aluna do primeiro técnico da EEDMO, pela fisioterapeuta Carol Lima.

Por Laura Fayer