quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Conversando com: Eliana Caminada

Conversando com: Eliana Caminada


No dia 22 de outubro, tivemos o prazer de receber a bailarina professora e pesquisadora Eliana Caminada no nosso programa mensal “Conversando com...”. Logo na apresentação da convidada o professor Paulo Melgaço disse que sempre são muito instrutivo e muito importante para um conhecimento sobre determinada pessoa, essas oportunidades só existem dentro da Escola de Danças.
Eliana Caminada teve seu primeiro contato com a dança, através de seu pai que foi um grande amante da arte. Ele, professor de inglês e formado em literatura, amava óperas, concertos e espetáculos de ballet. Aos 3 anos, foi levada ao Theatro Municipal para assistir Coppelia. Aos 5 anos, começou a fazer aulas de ballet na Escola Cultural de Artes com uma professora argentina, Dina Nova, indicada por sua prima, uma ex-bailarina. Após algum tempo, começou a ter aulas com Tatiana Leskova e com ela teve grande aprimoramento em sua técnica clássica. Foi lá que teve a indicação de fazer prova para a Escola Estadual de Danças Maria Olenewa, lugar que descobriria um pouco mais sobre o mundo da dança.


Eliana Caminada


Para ser bailarina precisaria ter uma convivência e disciplina, não havia lugar melhor para isso do que em uma escola de tradição. Ter a oportunidade de estar perto de grandes bailarinos, talvez ter a chance de conversar com eles, usar as salas do corpo de baile, isso é necessário para a formação de um bailarino. Foi na EEDMO que conheceu a história da dança, teve as primeiras aulas falando sobre esse assunto. Eram verdadeiras informações. Aulas de dança espanhola, composição teatral, aulas com grandes mestres como, Renée Wells, Consuelo Rios, Georges Ribailovski, Luíza Barreto Leite e Lydia Costallat. Tudo foi um acúmulo de informações, observações, comentários, levando-a a começar a viver, agir e ser bailarina. 

Fez prova para o 1º técnico e passou. Na prova de final de ano ficou decidido que pularia para o último ano técnico. Na época, esse último ano era feito um estágio com o Corpo de Baile do TMRJ onde teve certeza de que era isso que ela queria, apesar das dificuldades se acostumou rapidamente ao ritmo de trabalho e decidiu que era isso o que queria para a vida. Durante o estágio teve a chance de agir como comparsaria. Trabalhou no Theatro Municipal de 1963 até 1978. Em 1963, ingressou na companhia e em 1965, teve sua efetivação passando em 1º lugar no concurso.

Ao assistirmos parte do documentário sobre a vida da bailarina produzido pela São Paulo Cia de Dança, pedimos que contasse algumas histórias de vida desde a infância e a primeira que nos contou foi de quando ainda estava com sua primeira professora: "Dina Nova, minha professora quando ainda tinha 7 ou 8 anos, montou uma apresentação para o final de ano que se chamava, 'As duas sombras' inspirada no poema de Olegário Mariano, a música: um soneto de Petrarca, na minha época, com a minha idade, não sabia quem era, fui saber graças ao meu pai que explicou quem foram essas duas figuras importantes, dentro de casa. Descobri até que o poeta era um parente distante. Fiquei sabendo dessa informação a 60 anos e ainda não esqueci, para verem como marcou. No ano seguinte, Dina Nova montou uma nova coreografia com música de Bach, seu pai, mais uma vez estava lá para ajudá-la, explicou quem foi esse compositor contando como foi uma pessoa decisiva na história da música.”


Eliana Caminada, no centro, com as formandas 2015 e os professores Paulo Melgaço e Beth Oliosi.


Após sua longa carreira como bailarina, decidiu seguir carreira dentro dessa arte e virou professora e pesquisadora da dança. E todos que estavam presentes tinham a curiosidade de saber como havia sido essa decisão e qual foi o caminho que percorreu até seu primeiro livro. "A primeira coisa que me orientou pra ser historiadora da dança foi a família, os meus pais, que me apresentaram ao mundo, um mundo que considero mágico, que se distância do mundo real, mesmo com problemas na vida, seja em casa ou na vida social, a profissão e paixão do bailarino por sua arte sempre vem antes, o lado de fora, o tempo, o trânsito são esquecidos. Penso que é e foi muito importante para todos, para mim, pais de vocês, filhos de vocês, a bagagem artístico-cultural que vem de casa. A troca de pai para filho, filho para pai, pois houveram muitas mudanças em pouco tempo, saímos de um mundo onde a tecnologia é o mais importante. É necessário sorte e informação para chegar ao ballet e felizmente eu tive os dois. Concluindo: Tudo isso graças a vida ao lado de meus pais, todos os livros que li foram me dados em minha mão por meus pais. Acho que a minha formação começou aí, passar a conhecer a cultura geral desde muito nova."


Eliana Caminada respondendo às perguntas de nossos alunos.


Para encerrar a Palestra, dando jus ao seu título, as pessoas que estavam lá fizeram suas perguntas:


Tour: Durante sua careira, qual foi o ballet que mais gostou de fazer?

Eliana Caminada: Ao dançar coppelia, fiquei profundamente emocionada, e isso foi até um pouco perigoso, fiquei desestabilizada. Foi o primeiro ballet que assisti então estava muito feliz. Fiz questão de dançar com um laço na cabeça como na versão que tinha visto. Também posso destacar Giselle, dancei em dois momentos diferentes de sua vida: na primeira vez, recebi críticas dizendo que eu entrava triste desde o início do primeiro ato. E, felizmente, na segunda interpretação, mudei completamente. A dança foi traiçoeira até porque reflete o seu interior. Dancei muito mais alegre. Romeu e Julieta, também foi muito bom ter dançado, a chance de dançar aquilo que assistiu é maravilhoso. A 5ª Sinfonia de Tchaikovsky, dancei no corpo de baile e fui muito feliz pois adorava e me sentia completa no palco. Dancei o 1º, 3º e 4º movimentos. E contou que em um dos dias estava assistindo tão maravilhada que perdeu a noção do tempo e esqueceu de mudar de roupa do 1º ao 3º, porém conta rindo.


Tour: A senhora já teve a curiosidade ou vontade de dançar fora do país?
E.C: Tive, sim, a oportunidade. Durante a temporada de “Les Sylphides” no Theatro Municipal, o diretor da Ballet da Ópera Estatal de Munique-Bayerische Stats Opera assistiu ao espetáculo e gostou de mim. No dia seguinte, eu estava dando aulas para alunos da EEDMO em uma das salas do corpo de baile, quando o diretor que havia ido visitar as instalações do Theatro por dentro, entrou na sala. Ao me reconhecer perguntou se não queria fazer uma audição. Aceitei. Não tinha nada a perder, certo? Ele marcou e fui fazer uma aula de ballet para que ele pudesse assistir. Quando ele perguntou se eu aceitaria um contrato como solista da Ópera de Munique, juro que não acreditei que fosse chegar. Não é que o contrato chegou? Assinei com salário fixo e foi para Munique um ano depois. Entre a chegada do contrato e a minha ida, tive uma tendinite e fiquei parada alguns meses. Quando eu cheguei lá, pensei que estava completamente boa e voltei com tudo, porém com o decorrer das fortes rotinas, com ensaios durante o dia inteiro, a tendinite inteira voltou. A companhia queria me mandar para outro país para curar. Mas eu não aceitei, a saudade também já estava ficando grande e resolvi voltar ao brasil.


Tour: Qual a importância da existência da faculdade de dança e uma formação acadêmica?

E.C: Pela minha experiência durante a faculdade, os cursos superiores de dança são de extrema importância. A única coisa que mudaria é que eu limitaria a faculdade para alunos que já tivessem um conhecimento sobre a dança, que fosse um bailarino e a faculdade somente complementaria seus conhecimentos, os aprofundando. O curso em uma universidade não forma a arte de cada um, não forma um bailarino, pode preparar professores mas especializado para pessoas com alguma base e conhecimento na dança. A formação acadêmica depende do foco. Uma coisa que vem acontecendo com o ballet clássico é: está sendo tão teorizado que não conseguimos chegar ao objetivo final que é transmitir as ideias. É necessário discutir a ideia do ballet na vida, pensar na ajuda e diferença que o ballet pode fazer na vida de crianças, a inclusão em círculos sociais, não criando a ilusão de que são bailarinos mas apresentando um mundo delicado para crianças que muitas vezes são excluídas, seja dentro de casa ou entre colegas de escola, por exemplo. Vivem no mundo atual e a violência está presente no cotidiano, o ballet é uma arte de extrema importância e tinha que estar presente nas escolas. a presença da dança no padrão cultural precisa ser discutido. A dançarina não é valorizada e está sendo substituída para dar lugar para outras classes da arte. A dança é desprezada e isso cabe a nos mudar. Venho da época em que bailarinos eram chamados e considerados burros, éramos somente o físico para quem olhava de fora. Se eu conseguir construir carreira com mais tantos outros bailarinos, todos vocês conseguirão. Os tempos mudaram, nós finalmente estamos começando a receber os créditos de tanto trabalho.


A equipe do Tour en L’air agradece a essa grande oportunidade, de ganhar um pouco mais de conhecimento. O nosso “Muito Obrigado” a Eliana Caminada em nome de todos que estavam presentes em mais um: “Conversando com...”


Tabata Salles

6 comentários:

  1. Queridos companheiros de amor à dança, muito obrigada pela oportunidade de conversar com os alunos da Escola Estadual de Dança Maria Olenewa, sobretudo no mesmo lugar onde se erguia o prédio da minha velha Escola e convidada por amigos como Beth Oliosi e Paulo Melgaço.
    Permitam-me, apenas, fazer um reparo: minha primeira professora foi Sandra Dieken. De fato, foi minha prima Vilma Lemos Cunha quem a recomendou. Um grande abraço a todos.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Grande parte da história da carreira desta ilustre figura da dança brasileira é do meu conhecimento. Tive o privilégio e a sorte de ter sido aluno de Eric Valdo (marido da Eliana) e também dela. A vida me transformou de aluno em parente e nunca cansei de ouvir essas histórias. Na verdade posso dizer que tão importante quanto os fundamentos da dança clássica, foram nossas conversas ao longo do nosso relacionamento, para minha formação como artista-bailarino. Não canso de ouví-las e a cada vez me levam a um questionamento novo. Engana-se quem acha que um verdadeiro artista-bailarino forma-se somente na barra, na sala de aula ou no palco. A dança é transparente. Cada bailarino tem na sua dança, a impressão da sua personalidade e principalmente da sua cultura. Só tenho o que agradecer por sorte de ter tido bons mestres-parentes.

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  4. Eliana adorei a entrevista,você como sempre brilhante e autentica!Bjão,Nora

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  5. Amiga Nora, da vida toda, obrigada. Bj

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  6. A Eliana é parte tão importante da história de nossa dança e devemos ser-lhe gratos por tantas contribuições nesse cenário. Do espetacular talento que dividiu com a platéia e com seus colegas de palco e partners à grande trabalho que vem realizando em prol da preservação e da divulgação do balé. Meu eterno agradecimento , como bailarina, como platéia e como brasileira.

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