sexta-feira, 12 de julho de 2019

Entrevista com a ex-primeira bailarina do BTMRJ Cristina Martinelli✨

Cristina Martinelli

Formada pela Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro e ex-primeira-bailarina do Theatro Municipal, além de uma ampla e sólida carreira internacional, Cristina Martinelli será uma das homenageadas no aniversário de 110 anos do Theatro Municipal. A bailarina dotada de grande potencial dramático, além de ter se tornado primeira bailarina aos 22 anos, foi uma das artistas preferidas de Oscar Araiz com quem trabalhou em Buenos Aires, no Teatro San Martin. Não só exerceu o cargo de primeira bailarina no TMRJ, como também no Ballet Nacional da Espanha e no Grand Théâtre de Génève na Suíça. Seu repertório é extremamente vasto, abrangendo uma versatilidade de obras que vão de clássicos como “Lago dos Cisnes”, “Giselle” e “Paquita”, até neoclássicos como “Adaggieto” (uma de suas mais famosas interpretações) e várias obras de Maurice Bejárt.

Em uma entrevista para o Tour en L’air pudemos conhecer um pouco mais sobre Cristina Martinelli e sua vivência:

1 – Qual você acredita que tenha sido o impacto da Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, atual EEDMO, na sua vida?
Os 9 anos que passei na escola de danças são tudo que eu aprendi. Desde a própria estrutura da dança clássica, até todas as outras matérias que eu tive contato. Teoria musical, por exemplo, me serviu para que, como bailarina, eu pudesse encarar uma partitura. Outro exemplo foi de quando eu fui fazer a minha prova para primeira-bailarina, pois um dia era dedicado às danças folclóricas. Tudo que eu aprendi na escola fez parte do futuro e fez toda diferença, porque se eu não tivesse feito na escola eu não teria tido acesso.

2- Conte um pouco da sua experiência na EEDMO:
As coisas que eu guardo são as melhores possíveis. Na minha época não formávamos grupos de amigas como hoje, mesmo assim o contato era muito saudável com todo mundo. Mas eu gostava mesmo era dos meus professores, das minhas aulas, dos progressos, das conquistas. A diretora da época era Madeleine Rosay, então eu também estudei com a Lydia Costallat, Rene Wells, Consuelo Rios, Iara Marília, Reginaldo Vaz, Tamara Capeller e Cecília Wainstock. Foi assim, cada ano um professor, um aprendizado. Eu lembro de todos eles, uma época maravilhosa.

3- Como foi ter se tornado primeira bailarina tão cedo aqui no TMRJ e o que esse cargo que você exerceu também em outras companhias representa?
Foi uma coisa que eu queria, uma coisa que nunca duvidei que fosse acontecer, pelo menos eu estava trabalhando nesse sentido. Acho que se eu ficar contando com expectativas, com coisas que vão cair do céu, a probabilidade de nada cair do céu é enorme. Acredito no trabalho, que você tem que traçar um caminho e andar nele.
Foi isso que eu tinha projetado pra mim, independentemente do que os outros pensassem, eu achava que eu podia. Tirando minha pretensão, ficou só meu trabalho. Me formei, estagiei, fiz alguns corpos de baile, começaram a me dar solos e surgiu a oportunidade de ser primeira-bailarina. Então continuei lá, perseguindo o objetivo.
A primeira vez que saí do Brasil representando-o foi para Rússia, no concurso internacional de Moscou, e depois fui para os Estados Unidos dançar Giselle. Enfim, saí definitivamente do Brasil indo para Espanha na companhia de Victor Ullate. Em seguida para Suíça, onde fui primeira bailarina do Grand Theatre de Genéve, experiências incríveis. Claro que a primeira vez que você sai tem o lado sentimental de saudade que fala alto, mas você tem que controlar, ou se não você volta, e não pode voltar. Trabalhar no exterior é uma experiência importantíssima, te dá um outo pique e outras visões. Apesar de que, toda minha formação foi aqui e é essa que valeu.

4- Conte-nos algumas lembranças que você tem do seu tempo como bailarina principalmente aqui no TMRJ.
No sentido artístico vamos dizer que haviam mais espetáculos do que atualmente. E também, naquela época, muitas companhias estrangeiras vinham pra cá, como a Ópera de Paris e o Bolshoi. Então a gente bebia na fonte. Foi vendo essas companhias que eu aprendi diversos detalhes, o que não aprenderíamos sem assistir essa gente. Além de que, os poucos espetáculos que fazíamos aqui eram muito intensos. Então acho que foi uma época que talvez artisticamente, pela situação política atual, era melhor.
Quando eu entrei no TMRJ os primeiros bailarinos eram Bertha Rosanova e Aldo Lotufo. Depois a gente vai vendo aquela mudança de geração, aí entraram a Nora Esteves e eu, em seguida entra Ana Botafogo, Áurea Hammerli e Cecília Kerche. Nesse momento nós estivemos todos juntos, e isso é uma coisa maravilhosa. Pois eu também estudei com a Bertha, e de repente estavam no palco Bertha, Áurea e eu, juntas. Conseguir acompanhar essa passagem e recepção de diferentes gerações é mágico. O Theatro é nosso, não é de ninguém em particular. Posso dizer também que dancei com muita gente boa. Tive o Aldo Lotufo como partner assim como Ivan Benides, Aldemir Dutra, Alejandro Menendes, Emílio Martins e até o Dennis Grey.


5- Qual você acha que é a principal diferença entre trabalhar no exterior e aqui no Brasil?
A principal diferença é que lá você dança todo dia praticamente. Então, durante o dia a gente estava ensaiando a próxima temporada, e de noite a gente dançava a temporada. Isso o ano inteiro, sem descanso, era uma coisa diária. Só tínhamos folga na segunda-feira. Porque não há diferença de talentos, a qualidade de bailarinos que temos aqui tem lá também. A diferença é só o acesso aos espetáculos e a oferta de trabalho.

6-Seu nome é reconhecido por grande potencial artístico e seu repertório contempla uma grande versatilidade de obras, você julga isso como essencial para uma bailarina?
Eu conhecia meus limites técnicos. Sempre trabalhei pensando em primeiro vivenciar as dificuldades técnicas e depois deixar o artista vir. O que não dá, é priorizar o artista e deixar a técnica de lado ou vice-versa. O ideal é o equilíbrio. Então eu trabalhei muito. Eu era uma intérprete, uma artista. Não conseguia fazer as coisas sem me envolver, sem me emocionar. Mas isso também tem o seu perigo, você pode ser tomada pelas emoções e perder o fio da meada. Então é importante trabalhar esses dois lados. O lado da emoção é legal por saber que você está tocando as pessoas na plateia, mas também é necessário ter um trabalho técnico de qualidade. Não é apresentar um trabalho mais fraco porque eu sou artista.

7- Você tem ballets preferidos, poderia dizer alguns?
Tenho. Tem o clássico dos clássicos que é o “Lago dos Cisnes”. Eu gostei muito de trabalhar as obras contemporâneas do Oscar Araiz, que foi meu primeiro contato com dança contemporânea de fato. Também adorei fazer “Giselle”. Mas eu gosto dessa nova linguagem, ballets que exigem interpretação. Tem que ter na sua carreira um repertório, e todos esses estilos fazem parte.


8- Depois de uma carreira brilhante e de estar praticamente parada, você retorna ao palco do TMRJ na gestão de Jean Yves Lourneau dançando Suite en Blanc, A Morte do Cisne e Carabosse (em A Bela Adormecida). Como foi esse momento?
Foi ótimo, pois o diretor queria me dar um final de carreira digno. E para que eu não perdesse aquela energia vital adquirida por estar no palco, tudo o que ele colocou no repertório ele me colocou pra fazer. Meu último papel foi de Carabosse, e então eu achei que já estava no momento de parar, principalmente em respeito aos que estavam chegando.

9- Como você se sente em ser homenageada por esse Theatro que foi sua primeira casa?
É uma emoção enorme, uma sensação muito boa, até porque ser reconhecida é sempre uma coisa bacana. Que bom que o reconhecimento veio em vida, isso pra mim que é legal. Eu fico super feliz porque eu vou estar com outras pessoas que fizeram parte da minha vida: a Lauricy e o Victor Prochet, o maestro Henrique Morelembaun, que inclusive regeu Lago e uma porção de coisas quando eu era primeira-bailarina. E tem o Jorge Dias que estava lá na técnica do palco. Essas pessoas,fizeram parte da minha vida 100%. Estou muito feliz em estar ao lado delas.

FOTO: Lucas Morais

10- Como formada pela escola de danças, o que você gostaria de dizer como inspiração para os atuais estudantes daqui?
É importante saber o que você quer. O que você quer é mais importante do que os outros pensam de você. Só você pode dar uma orientação no seu caminho. No meio artístico vão acontecer várias coisas que podem te dar impressão de estarem se desviando do caminho. Mas eu acho que a mensagem principal é essa: seja qual for o caminho que você vai escolher, escolha você mesmo, você tem que ser a mente dessa escolha. E aí, é só partir para caminhar como eu fiz. Haverá momentos ruins em que você vai duvidar da sua escolha, eles fazem parte da vida, são super normais. Aproveitem tudo o que a escola dá, porque vocês vão precisar de tudo isso. A escola é a raiz da disciplina e da técnica, é o sustentáculo, vai te dar todas as bases que você precisa para ficar em pé.


ENTREVISTADORAS: Marina Tessarin & Debora Gomes