sábado, 4 de abril de 2020

Isolados mas não parados


A crise pandêmica do coronavírus impôs uma parada brusca nas nossas atividades não essenciais, aliada a um isolamento social com a finalidade de frear o avanço nos números de contaminações. Tal medida evitará, segundo especialistas, o colapso do sistema de saúde como tristemente ocorreu na Itália. E como a crise chegou a pouco no Brasil, o isolamento tem prazo indeterminado, mas com estimativas que somam semanas e possivelmente meses.

Nós bailarinos conhecemos bem os efeitos da interrupção da rotina de treinamento, seja ela motivada por uma lesão, férias ou, nesse caso, sem antecedentes recentes, uma pandemia. Essa interrupção no treinamento é conhecida na literatura como DESTREINAMENTO, e seus efeitos na fisiologia de atletas de alto rendimento vêm sendo estudados amplamente no campo da ciência (e nessa classificação incluímos os praticantes de ballet clássico profissional ou profissionalizante, por mera analogia, resguardando todas diferenças claras entre atletas e bailarinos).

Já sabemos que o destreinamento pode ser prescrito como forma terapêutica, a fim de diminuir estresses nos sistemas após um longo e intenso período de atividade física e ainda, que sua duração pode variar para cada modalidade e objetivo. Um corredor, por exemplo, após participar de uma maratona, tem como indicação a suspensão de suas atividades por pelo menos 7 dias. Bailarinos ao finalizarem uma longa temporada de espetáculos também recebem a mesma indicação, resguardando suas características e práticas desencadeadas.

Em um período curto de destreinamento, as “perdas” dos desempenhos cardiovasculares e neuromusculares são pequenas e facilmente reconquistadas, ao passo que o descanso e recuperação do sistema musculoesquelético (músculos, tendões, ligamentos, articulações, e ossos), que estava sobre forte estresse no período de treino e atividade, são valiosíssimos para a manutenção da saúde do indivíduo. Pesando na balança: há mais benefícios que perdas.

Nos períodos de férias paramos por um tempo mais prolongado (4 a 6 semanas). Sabemos também, que o mais indicado para esse momento é o que chamamos de DESCANSO ATIVO com modalidades de baixa intensidade, talvez em dias alternados, e que minimizem a redução das capacidades adquiridas durante o treinamento.

Atualmente, nossa problemática é que não sabemos quando poderemos voltar com nossas atividades normais e corriqueiras, e, portanto não podemos nos dar ao luxo de apenas esperarmos parados. A ciência atual já identifica que um período de 21 dias de destreinamento já é suficiente para registrarmos uma queda de 14% no débito cardíaco (que significa o volume de sangue oxigenado bombeado por minuto para seu corpo), redução de força (que pode ser expressa também pela diminuição de fibras musculares, sobretudo as do tipo I, tão importantes nos exercícios sustentados e de longa duração como os de equilíbrio), perda de alongamento adquirido (>10%), além de outras perdas e reduções que irão impactar diretamente no desempenho profissional. 


O que fazer então nesses tempos de confinamento social?

A resposta parece vir quase que intuitivamente: NÃO PARAR!


Mesmo em casa, podemos aproveitar o tempo livre para montar uma rotina que, não só nos ajude na manutenção do nosso condicionamento físico e na consequente redução de rendimento, como também nos permita passar por esse período de isolamento de maneira mais serena, evitando a ansiedade e a depressão (companheiras da solidão e do sedentarismo). Além de cuidar com mais atenção da nossa alimentação (evitando ultra processados e preferindo alimentos frescos), beber bastante líquido e ficar exposto ao sol, na ajuda da produção de vitamina D e na consequente densidade ósssea, devemos incluir a prática de exercícios em casa. Mas, que tipo de exercício devemos priorizar?

Os melhores exercícios nesse momento são os que promovam a conservação do seu estado físico adquirido antes da pausa. Além disso, para que você consiga manter a prática mesmo na ausência do diretor ou professor a te supervisionar e estimular, você precisa sentir prazer em se movimentar, então é importante priorizar atividades que lhe sejam agradáveis. Para bailarinos, manter uma rotina de alongamento, exercícios de força dando ênfase nos movimentos sustentados por um pouco mais de tempo, exercícios aeróbicos que aumentem sua frequência cardíaca e respiratória como: abdominais com intervalos curtos, caminhada na esteira, pular corda, são os mais importantes. Lembrando que os movimentos devem ser os mais próximos da prática anterior, então as aulas de barra e chão continuam sendo ótimas opções. Um cuidado que se deve ter é com os saltos e as sapatilhas de pontas, para evitar entorses e impactos que possam gerar lesões. Consideramos que neste momento esse não seria o melhor tipo de conduta a ser realizada, já que não encontramos em nossas casas um ambiente seguro para essa prática. Nas salas profissionais de dança, o piso é específico para absorver impacto, revestido de tapetes que evitam que as sapatilhas derrapem, e por isso esses exercícios devem ser evitados no contexto domiciliar, ou realizados com extremo cuidado e somente por bailarinos com muita perícia.

A pandemia nos impôs um destreinamento não programado. A exposição dos dados aqui citados tem como objetivo informar sobre os mais variados efeitos do destreinamento sobre os múltiplos sistemas corporais, de modo a incentivar de maneira circunspecta a busca por formas de minimizar os efeitos maléficos em potencial, concomitantemente a manutenção do bem-estar e a um retorno seguro e saudável dos bailarinos a rotina de trabalho, quando a crise for superada. Em breve ocuparemos novamente os palcos, que para todos os artistas, é a nossa segunda casa.

Vamos dar esse grande salto em relação à nossa saúde e cuidar de nosso corpo e mente.





Autores: Luan Limoeiro e Clara Judithe (Formados pela EEDMO e graduandos em Fisioterapia UFRJ)

Consultoria técnica: Dr. Fernando Zikan (Professor EDDMO e do Departamento de Fisioterapia UFRJ)

Nenhum comentário:

Postar um comentário