quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Por trás da cena - Ulysses Rabelo TMRJ

Por trás da cena

Quando assistimos um espetáculo de ballet do Theatro Municipal, por exemplo, é comum parabenizarmos os coreógrafos, bailarinos e ensaiadores pelo árduo trabalho que acabamos de assistir, porém, poucos se lembram de parabenizar os profissionais que trabalham por trás da cena.
Peruqueiros, aderecistas, maquiadores, figurinistas, técnicos de iluminação, contra-regras, produtores... a lista é grande, mas o Tour En L'Air, em seu esforço por dar o devido reconhecimento a esses importantíssimos profissionais, traz a série de três matérias com  três representantes da categoria, dos profissionais que trabalham por trás da cena, mas raramente recebem os aplausos.

Durante a temporada de Les Sylphides, Raymonda e Sagração da Primavera, tivemos uma conversa exclusiva com o maquiador oficial do Theatro Municipal, Antonio Ulysses Rabelo, que hoje estreia nossa série "Por trás da cena". Ulysses nos contou um pouco de sua profissão e de sua trajetória até chegar ao Theatro Municipal, sempre com entusiasmo e amor pelo que faz.
Ulysses Rabelo e a 1° bailarina do TMRJ Marcia Jaqueline como Raymonda

Segue nossa entrevista:

TOUR: Como você virou maquiador? De onde surgiu o interesse por essa profissão?

Eu sempre gostei. Desde pequeno, eu descobri que queria fazer alguma coisa no teatro vendo uma peça infantil no jardim de infância. Dali pra cá, eu comecei a desenhar, e enfrentei várias dificuldades, porque ser artista não era digno pra ninguém. Eu teria de ser advogado, médico ou arquiteto, teria essas três opções de profissões. Não escolhi nenhuma delas e virei maquiador em 1986.
Fiquei parado durante um anos, mas depois voltei para o meio da moda, fazia maquiagem para revistas, desfiles e etc. Depois vim pra cá, estou trabalhando no Theatro há 21 anos. Minha grande escola foi Theatro. Desde então não consigo mais parar (risos).

Comecei num tempo em que não havia internet, então tinha que ser um bom profissional e estudar, principalmente no meio de ballet e ópera. Ópera é muito mais exigente do que ballet, os diretores eram muito mais exigentes, e foi onde eu aprendi bastante.
Nós não tínhamos livros, o próprio material de maquiagem, quando importado, era muito caro, por isso não tínhamos muito acesso. Meu primeiro material importado eu ganhei aqui no TM, de uma cantora alemã chamada Eva Maria. Foi quando eu ganhei meu primeiro panstick da cryolan, que ela me ensinou a usar. Hoje, graças a Deus, abro minha maleta e tem vários pansticks!

Eu aprendi trabalhando, fazendo. Trabalhei com grandes pessoas. Trabalhei com o Bolshoi, Kirov, com o ballet de Stuttgart...
Acredito que tem pessoas que nascem para aquilo, eu realmente nasci pro que eu faço.



TOUR: O que é maquiar bailarinos, maquiar para o ballet?

Não é uma maquiagem muito diferente da usual. Hoje, eu adaptei muito a maquiagem do ballet para uma maquiagem mais “bonita”. Antigamente, era uma maquiagem muito “aberta”, uma maquiagem “suja”, com traços muito abertos, para ser vista só de longe. Quando eu entrei a gente começou a mudar bastante isso, pois já tínhamos acesso à televisão, já tinham fotos... e você não poderia estar com aquele olho pintado de branco embaixo, com um risco preto enorme... Esse tipo de coisa até tirava a forma do olhar, pois tudo no nosso rosto tem uma simetria. Se você aumenta muito o olho, ele fica desproporcional ao seu rosto. Então nós fomos tendo esse cuidado de manter uma maquiagem bonita mesmo pro ballet. Com exceções das caracterizações, mas que também não são feias.
O que eu penso hoje da maquiagem para o teatro, é você ter uma maquiagem marcada, mas não suja. O preto realça, marca da forma ao olhar. O preto não é sombra, a sombra é o marrom. Quando você trabalha com maquiagem, principalmente nos palcos, é ideal que você tenha uma noção de luz e sombra. O que hoje chamam de contorno, antigamente nada mais era do que correção. E quem inventou o primeiro contorno? Leonardo da Vinci com as grandes pinturas esfumaçadas. Hoje, é utilizada essa técnica do contorno que nada mais é do que o jogo de sombra e luz.

TOUR: Qual ballet você mais gosta como maquiador?

O Lago dos cisnes pra mim é sempre muito bonito. O feiticeiro é sempre um personagem muito bonito, muito marcante, gosto muito da maquiagem do cisne negro, do toque mais forte, mais endurecido. A troca desses personagens é sempre muito interessante. Cada bailarino tem um toque diferente. A maquiagem pode ser o mesmo traço, mas nunca ficará igual porque são rostos diferentes e eu tenho sempre que adaptar pra cada rosto.

TOUR: E para que serve a maquiagem fora do rosto?

As bailarinas gostam de marcar, os ossos os traços. Mas cada correção é um perigo. Se a correção é marcada errado, o maquiador acaba com o bailarino, se é marcada um pouco mais para o lado, a pessoa fica torta. Se eu quero aumentar o olho e desço demais à linha, um olho fica desproporcional ao outro. Essas correções são muito perigosas, é preciso ter uma noção muito grande de anatomia, principalmente do rosto, todo maquiador devia ter essa noção.
Ulysses e o bailarino do TMRJ Joseny Coutinho como Mago Rothbart

TOUR: Dois conselhos de maquiagem que você possa dar para uma jovem bailarina.

O menos é mais. Você tem que ter o conhecimento de luz, saber o que vai fazer, o que é melhor pro seu próprio rosto, o que combina com seus traços. Maquiagem é treino. Eu estou sempre aprendendo. Cada dia é um dia, cada pessoa é uma pessoa, então estou sempre aprendendo. Maquiagem é sombra e luz, é a técnica primordial da maquiagem, pra qualquer ocasião.

Acompanhe agora Ulysses preparando o bailarino Joseny Coutinho que viveu o Sábio em Sagração da Primavera







Paula Caldas

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